Livro dá tapa na cara dos apologistas católicos
Livro dá tapa na cara dos apologistas católicos

 O livro que é um tapa na cara do apologista católico. Por Lucas Banzoli.

 

 

 

Quantas vezes você já ouviu um apologista católico embusteiro (com o perdão do pleonasmo) dizer coisas como:

  • “A inquisição não matou quase ninguém!”
  • “Não havia tortura na inquisição!”
  • “Quem matava era o Estado, e a Igreja não podia fazer nada contra isso!”

Pois bem. Está na hora de acabar com toda essa palhaçada do revisionismo católico porco e virulento, e mostrar a verdadeira face da inquisição. Mas quem irá fazer isso não sou eu. Como protestante, eu seria suspeito demais. Portanto, vou usar aqui apenas o que diz o Manual dos Inquisidores, uma fonte primária absolutamente imprescindível para qualquer um que queira estudar o assunto, e que misteriosamente nunca é recomendada pelos apologistas católicos nos sites deles, pela razão óbvia de que essa fonte primária é o golpe de morte em suas intenções revisionistas patéticas.

O livro foi escrito por Nicolau Eymerich, um inquisidor dominicano do século XIV, e ampliado por Francisco Peña, um doutor em Direito Canônico do século XVI. Sua importância é tão grande que, depois da Bíblia (o Livro dos Salmos é de 1457), foi um dos primeiros textos a serem impressos, em 1503, em Barcelona. E quando o Vaticano quis reanimar a inquisição para fazer frente à Reforma protestante mandou reeditar o livro como manual para todos os inquisidores, primeiro em Roma, em 1578, 1585 e 1587, e depois em Veneza, em 1595 e 1607.

Referência:

EYMERICH, Nicolau; PEÑA, Francisco. Manual dos Inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993.

Vejamos o que essa fonte primária tem a nos dizer sobre a inquisição, e se ela concorda com o que dizem os revisionistas católicos como Pe. Paulo Ricardo, Felipe Aquino, Paulo Leitão e demais mentirosos:

  • A inquisição que não torturava ninguém

“Comumente, a prática dos tribunais em relação a esses hereges é a seguinte: Quem, praticando tais atos, comparece espontaneamente diante do inquisidor e declara que não sabia que era herege, e que tinha sempre guardado a fé no fundo do coração, é obrigado a abjurar sob forte suspeita de heresia, recebendo uma pena bem pesada. Quem confessa voluntariamente os seus atos, e admite, sem contestação, que conhece a natureza e o significado deles, é obrigado a abjurar como formalmente herege ou apóstata, e receberá uma pena ainda mais pesada. As penas serão de um rigor extremo, se o depoente confessar que não praticou seus atos por medo, e sim voluntariamente. Quem não comparece espontaneamente e confessa que praticou atos heréticos, sempre negando sua adesão intelectual à heresia, será submetido à tortura para que o inquisidor possa formar uma opinião sobre a realidade da adesão mental do acusado à verdadeira fé. Depois da tortura, se se mantiver na posição inicial, será também obrigado a abjurar sob forte suspeita de heresia: é possível, neste caso, que tenha praticado atos condenáveis por medo, e não voluntariamente. Se, ao contrário, depois de torturado, confessar suas crenças heréticas, será obrigado a abjurar como herege formal ou apóstata (se resolver retornar ao seio da Igreja). Este receberá as penas mais pesadas” (p. 40)

“O inquisidor interrogará, então, o suspeito sobre este assunto, torturando-o se ele fingir ignorar o valor dos sacramentos” (p. 53-54)

“Seus poderes? Receber todas as denúncias, informações e acusações de quem e contra quem quer que seja (dentro dos limites da diocese); proceder contra quem achasse que fosse oportuno; citar tanto os criminosos quanto as testemunhas; prender; manter preso; ouvir depoimentos e confissões, examiná-los, convocar para depor; torturar – junto com o bispo – para obter confissões; prender, convocar especialistas e fazer tudo o que, de uma maneira geral, o inquisidor poderia fazer se estivesse fisicamente presente” (p. 95)

“O nono truque consiste em simular idiotice ou demência. Fingem que são loucos – como fez o rei Davi diante de Acaz – para não serem humilhados. Riem enquanto respondem às perguntas, misturando várias palavras inconvenientes, engraçadas e absurdas. Assim, acabam encobrindo os seus erros. Fazem isso frequentemente, quando sentem que vão ser torturados ou que vão ser entregues à autoridade secular. Tudo isso, para escapar à tortura e à morte. Vi isso mil vezes: os acusados fingem que são completamente loucos ou que têm somente alguns momentos de lucidez” (p. 121-122)

“A questão de se fingir de louco merece uma atenção especial. E se se tratasse, por acaso, de um louco de verdade? Para ficar com a consciência tranqüila, tortura-se o louco, tanto o verdadeiro como o falso. Se não for louco, dificilmente poderá continuar a sua comédia sentindo dor. Se houver dúvidas, e se não se puder saber se se trata mesmo de um louco, de toda maneira, deve-se torturar, pois não há por que temer que o acusado morra durante a tortura(p. 122)

“O veredicto da tortura é assim: ‘Nós, inquisidor etc, considerando o processo que instauramos contra ti, considerando que vacilas nas respostas e que há contra ti indícios suficientes para levar-te à tortura; para que a verdade saia da tua própria boca e para que não ofendas muito os ouvidos dos juízes, declaramos, julgamos e decidimos que tal dia, a tal hora, será levado à tortura (p. 153)

“Existem pessoas com o espírito tão fraco, que confessam tudo com o mínimo de tortura, mesmo se não cometeram nada. Outras, são tão obstinadas que não abrem a boca, independentemente das torturas que sofrerem. Há pessoas que já foram torturadas; estas suportam mais que as outras a tortura, porque contraem os membros, endurecendo-os; porém, outras pessoas saem enfraquecidas das torturas anteriores e ficam incapazes de suportar outras. Existem os enfeitiçados que, sob o efeito de bruxarias utilizadas durante a tortura, ficam quase insensíveis: preferem morrer a confessar” (p. 154)

“Se não conseguir nada através desses meios, e se as promessas se revelarem ineficazes, executa-se a sentença e tortura-se o réu da forma tradicional, sem buscar novos artifícios nem inventar os mais rebuscados: mais fracos ou mais violentos; de acordo com a gravidade do crime. Durante a tortura, primeiramente, interroga-se o réu sobre os pontos menos graves, depois, sobre os mais graves, porque vai confessar mais facilmente as faltas pequenas do que as graves. O escrivão, enquanto isso, tomará nota das torturas, das perguntas e respostas. Se, depois de ter sido convenientemente torturado, não confessar, vão lhe mostrar os instrumentos de um outro tipo de tortura, dizendo-lhe que vai passar por todos eles, se não confessar. Se mesmo assim não conseguir nada, continua-se com a tortura no dia seguinte, e no outro, se for preciso (p. 155)

“Quando o réu, submetido a todo tipo de tortura, continua sem confessar, param de brutalizá-lo e o soltam. Se pedir a definição da sentença, não se pode recusar. Será lavrada nos seguintes termos: que depois do exame meticuloso de seu dossiê, não se encontrou nada que pudesse provar com legitimidade o crime de que o acusaram, prosseguindo nos termos previstos para sentença de absolvição” (p. 155)

“A pessoa que confessa sob tortura tem as suas palavras registradas pelo escrivão. Depois da sessão, será conduzido para um local onde não exista nenhum sinal de tortura. Lerão a confissão feita sob tortura e continuarão o interrogatório até obterem de sua boca toda a verdade. Se o réu não confirmar a confissão ou se negar ter confessado sob tortura, e se ainda não passou por todas as sessões previstas, continua-se a torturá-lo(p. 155)

“Uma questão que merece particular atenção é quanto à existência ou não de categorias de pessoas não torturáveis, em decorrência de algum privilégio. Efetivamente, funciona, do ponto de vista jurídico, e com uma certa frequencia, a ideia de que certas pessoas não podem ser torturadas – soldados, cavaleiros, pessoas importantes – devendo se limitar a aterrorizá-los, mostrando-lhes os instrumentos de tortura e ameaçando-os de utilizá-los. Mas este é um direito que não se conta nas questões de heresia: nenhuma das pessoas isentas de tortura a propósito de qualquer delito não o será, tratando-se de heresia. É o caso de se perguntar, em contrapartida, se se podem torturar as crianças e os velhos por causa da sua fragilidade. Pode-se torturá-los, mas com uma certa moderação; devem apanhar com pauladas ou, então, com  chicotadas. E o que fazer se o réu em questão é uma mulher grávida? Esta não é torturada nem aterrorizada, para evitar que dê à luz ou aborte. Deve-se tentar arrancar-lhe a confissão através de outros meios, antes de dar à luz. Depois do parto, não haverá mais nenhum obstáculo à tortura(p. 156-157)

“O valor da confissão é absoluto quando obtido sob ameaça de tortura ou através da apresentação dos instrumentos de tortura. Nesse caso, considera-se que o réu confessou espontaneamente, tendo em vista que não foi torturado. A mesma coisa, se a confissão é obtida quando o réu já está despido e amarrado para ser torturado. Se confessar durante a tortura, deve, depois, confirmar a confissão, já que esta foi obtida através do sofrimento e do terror. Dizem que podem recomeçar as torturas, quando sob o seu efeito conseguira-se novos indícios: deve-se assinalar que tudo o que o réu disser sob tortura pode ser considerado como um novo indício, e, em tais casos, é absolutamente correto recomeçar (p. 157)

“Além disso, muitos réus ficam, depois das primeiras sessões de tortura, num tal estado de fragilidade e enfermidade, que devemos nos perguntar, sinceramente, se seriam capazes de suportar o restante” (p. 157)

“Se o réu foi pouco torturado, podem-se repetir as torturas, até que o réu seja suficientemente torturado (p. 157)

“O réu confessa sob tortura. Depois, levado a confirmar a confissão, desdiz tudo. Em tais situações,recomeça-se toda a série de torturas, porque a confissão obtida durante a série anterior constitui, justamente, o novo indício que se precisa” (p. 158)

“Quando se pode dizer que alguém foi ‘suficientemente torturado’? Quando parecer aos juízes e especialistas que o réu passou, sem confessar, por torturas de uma gravidade comparável à gravidade dos indícios. Entenderão, portanto, que expiou suficientemente os indícios através da tortura” (p. 158)

“Como o réu confirma a confissão efetuada sob tortura? O escrivão pergunta-lhe depois da tortura: ‘Lembras-te do que confessaste ontem ou anteontem sob tortura? Então, repete agora com total liberdade’. E registra a resposta. Se o réu não confirmar, é porque se lembrou e, então, é novamente submetido à tortura (p. 158)

“A prisão na qual os presos devem cumprir pena – depois do processo – será comum ao inquisidor e ao bispo. É uma prisão horrorosa, porque foi concebida muito mais para o suplício dos condenados do que para sua simples detenção. É nesta prisão que deverão ocorrer as sessões de tortura” (p. 203)

O suspeito que só tem uma testemunha contra ele é torturado. Realmente, um boato e um depoimento constituem, juntos, uma semiprova, o que não causará espanto a quem sabe que um único depoimento já vale como um indício” (p. 208)

“Vamos logo assinalando que, no começo, os inquisidores não torturavam, com medo de cometerem alguma irregularidade. Mandavam aplicar a tortura através de juízes leigos (Inocêncio IV). Mas soube-se logo que, nos tribunais leigos, nem sempre se procedia com o sigilo absoluto exigido nas questões inquisitoriais. E constatou-se que toda questão inquisitorial envolve, por definição, o domínio da fé. Por isso, só os inquisidores devem conduzi-la. Na maioria das vezes, não se levam esses casos até o fim sem recorrer à tortura. Pareceu, então, mais prudente confiar aos inquisidores e bispos a tarefa de torturar, ficando assim determinado nos documentos posteriores em que se baseia Eymerich, como, por exemplo, em Urbano IV (ut negotium)” (p. 209-210)

“Se, por outros crimes e diante dos tribunais, a regra é nunca torturar certas categorias de pessoas (por exemplo, letrados, soldados, autoridades e seus filhos, crianças e velhos), para o terrível crime de heresia não existe privilégio de exceção, não existe exceção: todos podem ser torturados. O motivo? O interesse da fé: é preciso banir a heresia dos povos, é preciso desenraizá-la, impedir que cresça” (p. 211)

“Quanto à idade, os menores de vinte e cinco anos serão torturados, mas não as crianças de menos de quatorze anos. Elas serão aterrorizadas e chicoteadas, mas não torturadas” (p. 212)

“Por fim, quero assinalar que há países em que a prática da tortura é totalmente proibida. É o caso do reino supercatólico de Catalunha-Aragão, de onde eu sou – mas, às vezes, neste reino,autorizam torturar os acusados no Tribunal da Inquisição (p. 212)

“Os inquisidores observam, à luz da obra de Eymerich e do exemplo citado, que um único depoimento basta para aplicar a tortura, como demonstra claramente o meu comentário a respeito do sétimo princípio” (p. 212)

“Lembremos que um só testemunho basta para justificar a tortura, sem precisar de indícios fortes ou graves. O conteúdo dos depoimentos basta” (p. 213)

Como vemos, a inquisição boazinha dos nossos amigos apologistas católicos é essa na qual se torturava o suspeito de cometer o terrível “crime” de heresia até arrancar a “confissão” da boca dele. O contraste com os tribunais civis é expresso nitidamente: enquanto o Estado não torturava certos tipos de pessoas (como velhos e crianças), a Igreja não dava privilégio de exceção: torturava-se todo mundo (p. 211). Mas como os católicos eram bonzinhos e misericordiosos, apenas chicoteavam as crianças menores de 14 anos... o resto teria torturas bem piores (p. 212). Ademais, Peña é claro ao dizer que mesmo nos lugares onde o poder civil não praticava a tortura, abria-se uma exceção para a inquisição (p. 212).

Em outras palavras, enquanto o Estado ou não torturava ninguém ou não torturava todo mundo, a inquisição torturava a tudo e a todos. Para piorar, não havia nenhum critério sério para se estabelecer a tortura. Como Peña cansa de destacar, bastava um único testemunho para levar a pessoa à tortura, mesmo “sem precisar de indícios fortes ou graves” (p. 213). Isso significa que todo mundo que não “confessava” era torturado, uma vez que todos que estavam sendo julgados pela inquisição haviam sido denunciados por alguém. Até mesmo aqueles que nunca haviam cometido “heresia” eram torturados para “provar” isso. O ônus da prova não estava com o acusador, estava com o acusado. Era essa a moral católica.

A forma de se extrair as confissões também era infame. Como os textos nos mostram, funcionava exatamente da forma com que Duché descreveu:

“Torturar um suspeito para obter sua confissão era lhe fazer um favor. Inocêncio IV autorizou a tortura nos casos extremos, e uma só vez; os inquisidores concluíram disso que uma só vez por cada interrogatório. Com o chicote, o fogo, a permanência prolongada no fundo de uma masmorra, assando os pés do acusado com carvões ardendo, amarrando-o sobre um aparato de tortura e separando-o docilmente os membros do corpo com a ajuda de uma tesoura... tinha que ser o diabo para não obter uma confissão. Certo que o tribunal, em sua sabedoria, sabia que as confissões assim tiradas não tinham valor; e esta dificuldade se remediava fazendo com que o acusado as confirmasse três horas depois, bem entendido que, se se retratasse, poderia voltar a recomeçar a coisa. Esses entravam em um ciclo perpétuo, e aos que se obstinavam em negar e estavam convencidos, e aos que haviam confessado seu erro mas haviam recaído nele, os relapsos, o tribunal os entregava ao braço secular para sua execução, recordando que a Igreja tinha horror a todo derramamento de sangue. Por isso os queimavam: assim o sangue não corria; na Espanha esta cerimônia se chamava um ato de fé, o auto-da-fé[1]

  • A inquisição que não matava ninguém

Como eu já mostrei neste outro artigo, o fato de ser o Estado que matava não isenta a responsabilidade da Igreja pelo ato, pois todos os concílios diziam expressamente que o Estado era obrigado a matar, quando ela entregava a seu “braço secular”. Em outras palavras, o Estado só matava os hereges porque a Igreja o forçava a matá-los, entregando-os na sua mão justamente com esta finalidade. Os magistrados não tinham outra opção, ou então eram punidos com excomunhão e eram depostos do cargo. O Manual dos Inquisidores retrata isso com perfeição. Há uma parte de perguntas e respostas, que trata precisamente deste assunto. O interlocutor repete uma afirmação de cunho popular, e em seguida o inquisidor refuta:

Alegação – Ressalta-se que este ou aquele príncipe condena judeus à morte: portanto, isso não é uma tarefa da Igreja, mas do poder civil.

Refutação – O fato de serem condenados à morte pelos príncipes não exclui a Igreja de fazer o mesmo, se achar válido, depois do processo. Por outro lado, a Igreja deve intervir para condenar onde, justamente, reis e príncipes tenham a audácia de proteger os judeus. Sem a Igreja, sob o pretexto de que cabe ao poder civil condenar, esses hereges seriam, na verdade, protegidos. (p. 64-65)

Como está óbvio na resposta do inquisidor, o poder civil só matava os hereges porque a Igreja os obrigava a matar. Ele deixa claríssimo que se não fosse pela Igreja esses hereges seriam protegidos, ou seja, não seriam mortos. Eles eram mortos porque a Igreja Assassina queria que eles fossem mortos. Simples assim.

Em outra parte do Manual, há outra alegação e refutação, que se segue:

Alegação – Os especialistas em Direito Civil lembram o princípio de que ‘ninguém deve provocar tumulto nas províncias sob o pretexto de fazer investigações sobre heresia: cabe, portanto, ao governo se ocupar disto’. E concluem: se os judeus atacam a religião, é problema dos judeus e do poder civil, ninguém deve se envolver.

Refutação – Este argumento não significa nada. Entende-se, por este princípio do Direito Civil, que o inquisidor não deve se envolver com as questões civis durante as investigações (que são, efetivamente, da competência do poder civil); ele não quer dizer que cabe ao poder civil definir quando e como o inquisidor deve instaurar processos. É possível que este princípio seja interpretado no sentido mencionado anteriormente, em uma ou outra região: mas as leis daí decorrentes devem ser consideradas como obstáculos ao exercício da inquisição, e, consequentemente, devem ser anuladas. (p. 65)

Mais uma:

Alegação – Finalmente, os especialistas em Direito Civil dizem que, a rigor, cabe ao poder civil e ao bispo, juntos, e não ao inquisidor, julgar o delito canônico. Se é cometido por judeus ou por cristãos, continua a ser um delito: a questão é, portanto, da competência do poder civil também, e não exclusivamente do bispo.

Refutação – Voltemos aos textos conciliares e pontíficos: cabe aos bispos e inquisidores, juntos, convocar, julgar e condenar. E aos civis, executar as sentenças da inquisição, principalmente, quando a punição implica derramamento de sangue. Não existe nada pior do que esse tipo de argumento. (p. 65-66)

Como vemos, eram os próprios inquisidores (autores do Manual em questão) que refutavam expressamente a alegação de que a morte dos hereges era de competência exclusiva do poder civil. Eles queriam o mérito dos assassinatos para a conta da Igreja; afinal, matar os hereges era um grande serviço a Deus na visão desses psicopatas católicos. Aos civis cabia apenas executar as sentenças da inquisição, ou seja, executar o herege na fogueira, no “auto-da-fé”.

  • A inquisição que amava os judeus

A Igreja Católica Romana sempre teve um histórico desprezível de abominável perseguição sistemática aos judeus, desde quando o exército de Pedro o Eremita massacrou as comunidades judaicas na Cruzada Popular, e de quando a Cruzada Oficial, ao conquistar Jerusalém, colocou todos os judeus para dentro da sinagoga e ateou fogo. Os judeus eram constantemente perseguidos, tinham seus bens confiscados, eram considerados de “sangue impuro” e eram severamente caçados pela inquisição, seja ela a romana, a medieval, a espanhola ou a portuguesa. Eles eram o alvo predileto dos inquisidores:

“Os cristãos que aderem ao judaísmo e os judeus que, convertidos ao Cristianismo, retornam, depois de algum tempo, à execrável seita judaica, são hereges e devem ser vistos como tais. Tanto uns quanto outros renegaram a fé cristã assumida através do batismo. Se querem renunciar ao rito judaico sem renunciar ao judaísmo nem fazer penitência, serão perseguidos como hereges impenitentes pelos bispos e inquisidores, que os entregarão para serem queimados. Em segundo lugar: os cristãos que ajudaram, aconselharam, etc, um cristão convertido ou reconvertido ao judaísmo serão considerados como protetores da heresia e julgados como tais, pois são hereges tanto os que aderem ao judaísmo como os que se reconvertem a ele (p. 58-59)

“Por causa de todos estes crimes, os judeus não poderão escapar ao julgamento do bispo e do inquisidor, nem a seus justos castigos” (p. 62)

“Os hóspedes dos hereges, se estão excomungados há um ano, serão exilados para sempre, tendo os seus bens confiscados. Os inquisidores não chegaram a um acordo sobre o que fazer com os parentes próximos dos ‘hospedeiros’. Deve-se bani-los também? Não existe uma legislação clara a respeito. Se os ‘hospedeiros’ são judeus, ou outro tipo de infiel, serão processados sem maiores investigações e condenados às penas previstas habitualmente: prisão perpétua, entrega ao braço secular, confisco dos bens(p. 72)

“O inquisidor procederá qualquer cristão que manifeste, por um dos indícios apontados, uma simpatia, de fato pela seita judaica” (p. 132)

“Haveria uma suspeita gravíssima se o filho ou os descendentes do convertido continuassem a se abster de certas carnes: por que se absteriam, senão por respeito e reverência a essa satânica seita judaica?” (p. 133)

Pergunta: De uma maneira geral, contra quem o inquisidor pode proceder? Resposta: Já dissemos que pode proceder contra os blasfemadores, lançadores da sorte, necromantes, excomungados, apóstatas, cismáticos, neófitos que retornaram aos erros anteriores, judeus, infiéis que vivem no meio dos cristãos, invocadores do diabo. Digamos que, de uma maneira geral, o inquisidor procede contra todos os suspeitos de heresia, os difamados de heresia, hereges, seus seguidores, quem lhes dá guarida ou ajuda e quem emperra o trabalho do Santo Ofício, retardando, direta ou indiretamente, sua ação” (p. 200)

Há muito mais a ser contado sobre o Manual dos Inquisidores (Directorium Inquisitorum, no original em latim), mas limitarei este artigo por aqui, senão ele poderia se tornar um livro. Recomendo entusiasticamente esta fonte primária sobre a inquisição pela boca dos próprios inquisidores da época, a todos os leitores deste blog. Mais do que isso, sinta-se formalmente intimado a adquirir este livro. Embora ele dificilmente possa ser achado em uma livraria comum, certamente consta em qualquer biblioteca decente. Não perca a chance de ler esta obra. Há alguns resumos sobre ela na internet, mas não compensam a oportunidade de lê-la por completo.

Este livro católico é o maior tapa na cara que os apologistas católicos já receberam. De agora em diante, o picareta e cretino que continuar defendendo a inquisição para salvar a honra da “Santa” Igreja não é mais do que um monstro moral e uma personificação da desonestidade humana. Isso é para mostrar até que ponto os apologistas embusteiros são capazes de modificar a história para não admitir que a Igreja Romana é, definitivamente, “a mãe de todas as prostituições e abominações da terra” (Ap.17:5), embriagada com o sangue dos mártires (Ap.17:6). Uma Igreja encharcada de sangue até o pescoço. Uma Igreja que vendeu a sua fé.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,

Lucas Banzoli (www.facebook.com/lucasbanzoli1)